Este líquido transparente e fluido que circula pelo planeta, desconhecendo fronteiras, mas com regras definidas, é o que permite a vida como a conhecemos. Sem água, sem vida. Com seu impressionante corpo amorfo, molda-se, sem constrangimento, ao lugar aonde se encontra, seja em forma de uma gota na ponta de uma folha, prestes a ser trazida para o solo pela gravidade, ou pela forma plana de um lago de montanha, preenchendo uma depressão do terreno, com aquele aspecto mutante e hipnotizante de um rio, ou ainda como vapor, enfeitando o azul do céu com seus desenhos aleatórios de nuvens efêmeras ou densas e ameaçadoras.
A geografia e a gravidade comandam, soberanas, os movimentos dos cursos d’água, puxados das nascentes do alto de montanhas ou serras, para os lugares baixos, ao nível do mar, onde todos terminam. Neste caminho, o caudal se converte em um mensageiro da geografia do local, conectando lugares distantes. Expulso pela pressão das entranhas da terra, o líquido puro e cristalino vai saindo da escuridão de cavernas e reservatórios subterrâneos, onde pode ter passado milhares de anos, e começa uma corrida cheia de obstáculos formados por cânions, rochas, troncos e taludes existentes em seu leito. Ele vai seguindo o curso ditado por uma velha lei: a água não discute com seus obstáculos, ela os contorna. Isso acaba determinando a sua forma irregular, com mil curvas e meandros. A linha reta, na natureza, é desprezada em detrimento da sinuosidade. Um leito retilíneo seria um aborrecimento, como uma estrada longa e sem curvas. O seu desenho, visto em um mapa, mostra o ziguezague de voltas e contravoltas feitas para achar a saída.
A vida é muito semelhante à trajetória da água. Nascemos pequenos, frágeis e vulneráveis. Aos poucos vamos crescendo e nos tornando fortes, igual a um arroio quando começa receber afluentes e engrossa o seu volume e poder. Não a gravidade, mas a necessidade de sobrevivência, nos faz seguir os sulcos da vida, os nossos verdadeiros cânions com obstáculos de todo o tipo, formas e tamanhos. Quando a corrente chega ao oceano, mistura-se ao corpo maior, indicando o fim de uma parte da jornada. Quando morremos, nosso corpo se desmancha e se mistura com o solo, e os componentes retornam ao ambiente, como o açúcar do rio se mistura ao sal do mar. O cadáver humano vai ser transformado em partes de uma planta ou de outros animais, seguindo a lei na qual, na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. O mesmo vai suceder com a água do mar, lentamente sendo puxada para as nuvens pela evaporação. e jogada de volta aos continentes como chuva, realimentando o sistema. Tudo está conectado.