Certa vez, escutei a frase: “Se você acha que é bom em algo, pode acreditar que existe um chinês que é melhor.” Adoro frases que resumem grandes lições de vida e de mercado, e essa, em particular, foi algo que pude comprovar pessoalmente.
Em outubro de 2024, tive a oportunidade de visitar Xangai. Foram apenas cinco dias, mas foi uma imersão intensa, repleta de experiências marcantes. Desde assistir ao badalado torneio de tênis, o ATP Masters de Xangai, até passar um dia inteiro na sede do Alibaba, vi de perto a verdadeira máquina de execução que é a China. A experiência foi tão intensa que, ao voltar, passei quase um mês doente — claro, a idade e as 36 horas da viagem de volta certamente contribuíram. Amigos que já estiveram por lá me disseram que isso é normal; os ares do Oriente às vezes podem nos abalar.
Esta semana, quem se abalou com os “ares chineses” foi o mercado acionário americano. O destaque é a nova “corrida espacial” no mercado de inteligência artificial (IA). Nesta segunda-feira, 27 de janeiro, a turbulência no setor fez evaporar impressionantes US$ 1 trilhão.
Por muito tempo, a supremacia americana na corrida da IA parecia inquestionável. As big techs investiram — e continuam investindo — bilhões de dólares em pesquisa e infraestrutura para atender às demandas crescentes dessa tecnologia transformadora.
E então, surge do outro lado do mundo uma pequena startup chinesa para chacoalhar o status quo da indústria. A DeepSeek, com supostamente menos de 200 funcionários e recursos limitados, apresentou, na semana passada, dois novos modelos de linguagem que rivalizam — ou até superam — as opções mais avançadas de gigantes como OpenAI, Anthropic e Meta.
É verdade que, praticamente todos os dias, surge um novo modelo no mercado, o que vem progressivamente commoditizando esses recursos. Hoje, a Meta tem seu modelo, a OpenAI o dela, e assim por diante. Como ocorre com qualquer produto commoditizado, a vantagem competitiva pertence a quem consegue entregar o melhor custo-benefício — ou seja, operar com custos menores e eficiência superior. E foi exatamente isso que a DeepSeek alcançou.
A inovação da DeepSeek está em ter sido a primeira a implementar, de forma pública, ideias teóricas que já circulavam no mercado — com algumas sacadas próprias que fizeram toda a diferença.
Essa abordagem permitiu que seus modelos fossem, por algumas métricas, até 45 vezes mais eficientes do que as principais alternativas. Para treinar o modelo V3 (sua versão de IA), por exemplo, a empresa afirma que o custo foi de apenas US$ 5 milhões, enquanto gigantes como a OpenAI gastam centenas de milhões no desenvolvimento de suas soluções.
Em um mercado onde eficiência e custo são cruciais, a DeepSeek mostrou que grandes revoluções nem sempre vêm de grandes orçamentos — e, mais uma vez, a China prova sua capacidade de inovar e desafiar os gigantes. Mas será que isso realmente acontecerá?
Existe um fator estrutural que pode limitar a capacidade de longo prazo da China nessa corrida: o acesso aos chips mais avançados. Sob restrições de exportação dos EUA, o país enfrenta dificuldades para obter semicondutores de ponta, essenciais para o treinamento de modelos de inteligência artificial cada vez mais complexos. Enquanto os EUA seguem com acesso irrestrito a tecnologias como os chips da Nvidia, a China precisa lidar com alternativas menos avançadas ou encontrar formas de contornar essas barreiras.
Outro ponto a ser considerado é que um modelo de origem chinesa pode gerar resistência entre governos e empresas ocidentais, especialmente considerando o uso estratégico da IA em setores críticos. Apesar de todos os avanços, no Ocidente ainda enxergamos a China como uma “caixa preta”.
Independentemente de quem será o vencedor nessa corrida, uma coisa é certa: a inteligência artificial transformará profundamente nossa economia e nosso cotidiano. Essa revolução criará oportunidades únicas para investidores. Estar atento a essas oportunidades e saber aproveitá-las será fundamental para quem deseja capturar valor no longo prazo. E lembrando que independente de qualquer coisa que venha a acontecer: “sempre haverá um chinês…”