As figueiras parecem ter sido criadas para oferecer sombra, frutos, aconchego e história. Na sua forma isolada, elas lembram grandes guarda-chuvas colocados aleatoriamente pelo campo ou à beira de lagoas, oferecendo o local perfeito para um acampamento, piquenique, ou ainda um descanso depois de uma longa tropeada. Árvores nativas do Pampa adornam as margens da Lagoa dos Patos e toda a região da planície costeira. Andando pelo município de São Lourenço, no sul do Estado, encontrei algumas carregadas de frutos e histórias.
Planta icônica presente na literatura e na música, ela acompanhou toda a saga do desenvolvimento da fictícia cidade de Santa Fé na trilogia O Tempo e o Vento de Érico Verissimo. Na obra, ela viu crescer, em seu entorno, uma cidade e testemunhou revoluções, revelações interpessoais e ainda emprestou seus galhos pra brincadeiras de crianças na pele dos personagens da ficção.
Em São Lourenço, elas estão espalhadas pela orla da lagoa e se tornaram referência para a população e turistas. No verão, carregam-se de pequenos figos maduros que fazem a festa das aves e animais de chão. Figos pequenos, mas de um sabor atávico, exige que se encha a mão de frutos para saborear seus segredos. Tão gentil esta árvore, que seus galhos descem quase até o solo para permitir que, com calma e segurança, se colham seus pequenos frutos.
Andar pela tranquila margem da lagoa e usufruir da sombra destas árvores de forma única é um tipo de prazer daqueles que diminuem o meu passo para que fique mais tempo ao seu abrigo, parecendo que a árvore chama para conversar e contar suas histórias. Fiquei imaginando o que elas poderiam dizer sobre o dia a dia das tribos de índios charruas e minuanos e suas culturas que foram, em menos tempo que vive uma figueira, esmagadas e apagadas por espanhóis e portugueses. Elas viram o italiano Giusepe Garibaldi construir barcos e pelear com os imperiais na Revolução Farroupilha, bem ali na barra do rio São Lourenço. Podem também ter ouvido conversas secretas do General Bento Gonsalves com seus comandados, planejando ações de ataque e defesa ou abrigando-o para um churrasco campeiro às suas sombras. Acompanharam, mudas, assim como aquela de Santa Fé, a criação da vila e depois da cidade e viram chegar sempre mais outras pessoas e animais, casas, ruas, automóveis e tudo o mais que necessita uma vida urbana regular.
Elas sabem que têm vida longa, centenas de anos, e que são aves como o sanhaço-cinzento, sabiás, saí-azul, sanhaço-papa-laranja, tucano e, à noite, uma legião de morcegos, que se deliciam com seus frutos e acabam, sem o saber, espalhando as sementes por todos os lugares, garantindo o surgimento de novos indivíduos que poderão, daqui a duzentos ou trezentos anos, contar outras histórias sobre São Lourenço. Quais seriam? Isto é reservado ao futuro e aos segredos que as mudas figueiras guardam e que ninguém ousa perguntar. Apenas intuir.