Casas antigas guardam uma aura de lembranças de um tempo findo deixando, à mostra, suas cores, formas e jardins. Andar pelas ruas de Canela e ver muitas destas páginas da história ainda abertas, fazem o passado retornar por breves momentos, mostrando um outro tempo, um outro viver. Percorrer lugares da minha infância e observar o quanto mudou o entorno, os vizinhos já ausentes, lembrar das árvores frutíferas há muito suprimidas, sempre prontas ao saque da gurizada, têm uma carga de nostalgia poderosa, fazendo a memória dar voltas. Uma casa antiga não é, necessariamente, uma casa velha.
Vejo, com frequência, os sinais dos tempos indicados pelos imponentes tapumes erguidos nas calçadas, escondendo as fachadas e a história de alguma casa antiga. A demolição começa pelos telhados, descerrando o interior e liberando os fantasmas de muitas vidas que por ali passaram. Num átimo, a página estará rasgada e seus fragmentos – caibros, telhas, tijolos e tábuas irão erguer um novo lar em outro lugar, sem conhecer as histórias escondidas naqueles materiais. Casa nova, com material antigo, traz conforto e uma carga de mistérios e acontecimentos escondidos nas fibras da madeira e na argila das telhas e tijolos. É como se a energia e a história fossem transportadas junto, por impregnadas e indissociáveis.
Surge, em seguida, uma imensa cratera com dois, três, cinco metros ou mais de profundidade. Aí serão acomodados os carros do novo prédio, contrastando com as modestas e antigas garagens domésticas para um veículo. Novos tempos, novas necessidades. Estas casas ainda de pé, são a resistência, no sentido da preservação da história. Terrenos, onde havia uma casa para uma família, cedem espaço para um prédio de três pavimentos, onde se abrigarão dezenas de famílias, muitas vezes desconectadas umas das outras e sem aquele espírito de vizinhança que havia no passado. O valor do espaço urbano impõe isso, sendo difícil frear a expansão imobiliária.
Nada é permanente nesta vida. No chão de cada uma destas casas antigas, outrora havia uma floresta ou um campo que foi lar de outros. Tudo muda, assim como mudamos de idade, de roupas e de modos de pensar. Canela vai arquivando seu passado para recriar uma nova história repleta de novos eventos que irão impregnar os subsolos e apartamentos com seus acontecimentos. Uma tapera, que um dia foi uma casa, também se modifica, tonando-se cada vez mais dissimulada na paisagem, até que toda sua história fique enterrada e presa nas raízes de novas árvores e, assim como os novos prédios, um dia contarão as histórias do lugar.