O casarão, em desenho no seu tempo de esplendor
Há poucos dias estivemos em visita, com um grande grupo, a uma construção que fez história em Canela e se mantém de pé há mais de 110 anos – excetuando o período em que veio abaixo pela força de um grande vendaval e foi reconstruída.
Trata-se do casarão da família Oppitz, construído por Antônio Oppitz Filho, que viera do Distrito de Mundo Novo, Taquara, obra finalizada por volta de 1912. Hoje ainda existe, na área verde do Distrito Industrial de Canela, graças à rigidez da madeira de lei e do zinco do seu telhado. Mas o fato de estar desabitado há muito tempo deixa tristes marcas.
Mesmo necessitando de total reforma, a casa ainda suscita estudos para um aproveitamento pela comunidade. Buscamos informações sobre o lugar com um estudioso da nossa história, Marcelo Wasem Veeck, e integrantes da família, como Ione Oppitz Giacometti e Clayton Oppitz.
Nunca mais o vento seria problema
Segundo Marcelo Veeck a família Oppitz chegou em Canela por volta de 1907, e foram precursores da atividade madeireira. Ergueram, na área da qual eram donos, o casarão no estilo da Boêmia do Norte de onde vieram, obra concluída em 1912. Em 1928 aconteceu o vendaval que “jogou” a casa a 100 metros de distância. Foi reconstruída em lugar mais protegido do vento usando a técnica de encaixes (não usa pregos) e teve barras de ferro chumbadas ao seu redor para segurar a estrutura em caso de novos tornados. Perto da estrada para o Saiqui, o casarão era ponto de passagem, inclusive para a cancha reta muito famosa na região.
Em 2024, a construção ainda resiste.
Uma infância inesquecível
Ione Oppitz Giacometti, com que conversamos, hoje vive em Novo Hamburgo e foi uma legítima ocupante do casarão dos Oppitz. Testemunha da história da família e daquele recanto de Canela, Ione nasceu no casarão em 6 de junho de 1938, parto assistido pela avó, Amália, pois quando o médico chegou a mãe, Eulina, já tinha dado Ione à luz. Prematura, veio ao mundo com 1,4kg e foi colocada dentro de uma caixinha coberta com algodão e panos. Nevava muito e, para manter a pequenina aquecida, a solução foi deixá-la próxima ao fogão, sendo alimentada a cada duas horas, via conta gotas. A infância de Ione no casarão foi, segundo ela, maravilhosa por tudo de bom que o contato com a natureza e com os avós, pais e primos podiam proporcionar. Mas deixemos que a própria Ivone nos conte:
“Não havia eletricidade, somente a luz de velas e lampiões a querosene. O despertador era o canto dos galos e o mugido das vacas à espera que lhes tirassem o leite. Havia fartura de legumes, frutas, galinhas, perus, patos, porcos, abelhas, verduras, milho , batata, aipim, arroz, trigo… tudo cuidado com amor e carinho por todos. Quando carneavam ovelhas eu sofria ao ouvir seus berros, os porquinhos também gritavam muito. Foi um tempo que deixou muita saudades, de vida simples, saudável e repleta de amor e carinho.
“Havia brincadeiras mil no pomar, no sótão do casarão,num córrego onde vovó tinha o tanque de lavar roupas. Que festa quando era tirada a fornada de pão de milho e biscoitos de polvilho! E os waffles?? A massa era feita em casa, o sagu com creme de leite, os biscoitos de Natal nós ajudávamos a pintar. Os tachos de chimia se raspava quando ela era enlatada. O pão com chimia de uva e nata era a glória!.
“Os invernos eram sofridos, pois só tínhamos fogão a lenha, aquecíamos tijolos no forno para levar para a cama para nos aquecer, pois ela era gelada também. Quem também sofria era o gado, pois a neve chegava até o cotovelo dos cavalos e vacas. Estocavam bastante trato, pois as nevascas eram fortes e longas. Recolhiam o que cabia de animais no galpão, mas não dava para todos, então eram remanejados, para não morrer congelados. A água do poço chegava a congelar, papai amarrava uma pedra numa corda e jogava no poço para quebrar o gelo”.
Memórias cheias de ternura de um tempo em que tudo se curava com chás e a homeopatia da vó Amália. Para casos graves, levava-se para Canela. Perguntei a Ione (que teve um irmão, Carlos), se tinha algum medo, morando tão afastada da cidade. Respondeu que só tinha dos raios. Mas acalmava-se quando a vó dizia: “onde há uma vela acesa o raio não cai”. Ela viveu no casarão até os 12 anos, quando mudaram-se para Canela devido a outros afazeres do pai, Almiro.
Antônio Oppitz e Amália (sentados), com os filhos Afonso, Arnaldo, Arlindo, Raina, Edgar, Almiro e Osmildo.