Um dia destes, bem cedo, fui revisitar o Cânion Monte Negro, em São José dos Ausentes, um lugar onde já estive dezenas de vezes. Era uma segunda-feira. Não havia movimento de turistas pela região e nenhum carro no estacionamento do local. Pensei “Estou sozinho, isto vai ser bom.” Gosto de lugares tranquilos, com poucas pessoas quando vou nestes destinos de natureza, e ali, naquela manhã, o cenário estava perfeito.
Fui andando pela trilha de acesso quando me deparei com um graxaim arisco, que logo desapareceu mata adentro. Na lama do chão, vi suas pegadas bem marcadas, indicando a atividade deste pequeno canídeo nativo. Um canto conhecido de primavera chamou-me a atenção e vi, na ramagem baixa de uma guabirobeira, um sabiá-ferreiro a plenos pulmões, chamando pelas fêmeas. É uma ave migratória que adotou o Sul para seu período de acasalamento e cria dos filhotes.
Já no campo, próximo ao sopé do icônico Monte Negro visualizei, ao longe, rebanhos de gado pastando a verde e tenra grama de primavera, típica de pós queimada. Época de terneiros chegando ao mundo num lugar de uma beleza extraordinária, aliado ao rigor do clima, igualmente fora da curva. A tudo se habituam. Cavalos, não os vi, tampouco ovelhas e os elegantes e ariscos veados-campeiro.
Chegando ao local, deparei-me com um bando de urubus-de-cabeça-preta fazendo manobras elaboradas no ar, auxiliados pelas termas vindas do litoral. Em círculos, vão ganhando altura sem o bater de asas, aproveitando o “empurrão” do ar quente, mais leve do que o frio e, por isso, sobem em colunas invisíveis, mas perceptíveis a eles. Bandos de andorinhas dão um espetáculo à parte, fazendo uma louca revoada pelo vazio do cânion e emitindo, em conjunto, seus gritos estridentes, parecendo estalos de vidro quebrando.
A vegetação das bordas é rala, baixa e retorcida devido ao solo raso e ao vento. Ali, em algumas manchas de taquara, vi dois gibões-de-couro, outra ave migratória, capturando insetos em pleno voo, em acrobacias magníficas, dignas de grandes mestres. Outro caçador aéreo, que andava por ali, era a maria-preta-de-topete, pequena ave negra presente nos arbustos e mourões de cerca à espreita de insetos voadores. Como o gibão-de-couro, disputam o mesmo tipo de alimento, no mesmo local. Há espaço e comida para todos.
Depois de andar e ser castigado pelo vento forte, resolvi sentar num degrau do terreno e ali fiquei abrigado das rajadas, apenas ouvindo e vendo o mundo natural que se abria à frente. Passado um tempo, percebi, então, que não estava só, como queria no início da trilha, mas muito bem acompanhado. A natureza encarregou-se de distribuir bichos, plantas, vento, luz e paisagem de uma forma harmônica, fazendo-me sentir acolhido e, o importante, pertencente ao lugar. Foi uma manhã de muita paz e compartilhamento de espaço e energia com quem é dali. Assim, dei-me conta da impossibilidade de estar sozinho, em qualquer que seja o lugar. A natureza é plural.