O fogo surgiu na terra muito antes de qualquer ser vivo e, possivelmente, foi contemporâneo da água e do vento. Encanta pelo que ele representa na evolução da espécie humana, o único ser vivo que conseguiu domar e utilizar sua energia térmica e luminosa em seu benefício. Aquecer e clarear uma caverna, espantar feras noturnas e cozer o alimento foram os passos iniciais decisivos para que a nossa espécie se diferenciasse das demais, utilizando o potencial deste fabuloso recurso natural que assombrava e calcinava tudo em volta, quando fora de controle. Em algum momento da trajetória evolutiva da humanidade, alguém teve a ideia de associar-se a ele, deixando de temê-lo, como o faziam as demais espécies. Este foi o ponto chave. Se não podes com o teu inimigo, associa-te a ele. Desde então, o fogo virou parceiro do homem e é explorado de inúmeras formas.
No frio inverno que se apresenta este ano, fico observando o fogo na lareira e absorvendo um pouco da energia ancestral que ele oferece. Além do calor que emana, o entorpecente dançar das labaredas torna o momento ilusionista, conectando automaticamente o presente ao passado quando, nas frias cavernas dos tempos remotos, meus ancestrais embebeciam suas retinas com esta dança de fantasmas. O fogo, e somente ele, consegue produzir chamas que nunca se repetem na forma, tamanho e intensidade. Dependendo da lenha que se queima, ela é alta ou baixa, mais larga ou estreita, mas sempre diferente a cada segundo. No topo, as labaredas se esfiapam no ar e lançam pequenas fagulhas que parecem estrelas efêmeras tentando voltar ao seu lugar, lá no firmamento.
Estalos e pequenos estouros fazem parte do espetáculo, parecendo gritos de agonia emitidos pelas lenhas, emprestando um momento de relaxamento e um raro prazer atávico que combinam som, calor, luz e uma passagem grátis para o mais primitivo de nosso passado de caçadores e coletores nômades que vagavam pelas terras deste planeta. Vejo grupos, sentados ao redor de fogueiras, se aquecendo e preparando carnes de animais recém abatidos, o início daquilo que, hoje, chamamos de churrasco. Outros fugindo alucinados do perigo de gigantescos incêndios florestais e campestres, da mesma forma que ocorrem ainda hoje por aqui, e percebo que tudo se repete.
O fogo é mais do que só calor e luz. É um passaporte para o imaginário e para entendermos como o homem, esta espécie que aprendeu a aproveitar a sua energia, conseguiu chegar até os dias atuais. Vou encerrar aqui estas linhas e seguir minha viagem ao passado, levado pelas labaredas e pelo calor desta energia misteriosa. Bom inverno a todos!