Medo é um instinto vital para a sobrevivência. Ele impõe limites, serve como alerta, ajuda na preservação da vida — mas, quando se trata de dinheiro, pode ser um baita sabotador. Somos bombardeados diariamente por manchetes assustadoras, muitas delas feitas sob medida para nos deixar inquietos. E não é só impressão: estudos mostram que notícias negativas geram muito mais engajamento. Medo, afinal, vende.
Essa semana, voltando de Porto Alegre, ouvi um podcast sobre as tarifas impostas pelos EUA ao resto do mundo (assunto que, aliás, merece virar coluna em breve). O papo começou com guerra comercial e terminou em terceira guerra mundial. Juro. Em meia hora, fomos de impostos a ogivas nucleares. Cheguei em casa tenso, achando que um bunker era mais urgente do que uma reserva de emergência.
A verdade é que cada pessoa tem uma visão muito particular do mundo — e do dinheiro. As experiências individuais moldam nossas crenças. O que parece maluquice para você pode fazer total sentido para mim. Morgan Housel, que considero um filósofo das finanças, resume isso bem: “As experiências pessoais com dinheiro respondem por 80% da forma como você acha que o mundo funciona.” E isso explica muita coisa.
Eu tive a sorte de começar minha vida financeira já na era do Plano Real. Mas quem tem 50 anos ou mais viveu (e foi marcado) pelo Plano Collor — que, aliás, completou 35 anos mês passado. Dá para entender o trauma de quem teve dinheiro bloqueado por um ano. O problema é quando esse trauma se soma à falta de informação e ao medo constante alimentado pela mídia, nasce uma mistura perigosa de cegueira com ignorância financeira.
Esses dias, conversei com uma conhecida, pessoa bem instruída, que tem uma carteira de imóveis na região. Perguntei como andava o aluguel por temporada. Ela disse que o movimento estava fraco, e por isso resolveu migrar parte dos apartamentos para contratos de longo prazo.
Fiz um exercício que costumo propor aos meus clientes: — Quanto vale esse apartamento que você vai alugar? — Cerca de R$ 1 milhão. — E o aluguel? — R$ 4.500, já que o inquilino paga condomínio e IPTU.
Mostrei que, descontando 12% da imobiliária, 27,5% de IR (pessoa física) e eventuais manutenções, a rentabilidade líquida ficava perto de 0,28% ao mês. Bem abaixo do que se consegue hoje no mercado financeiro — com baixo risco, inclusive.
Expliquei que, com a Selic em 14,25% ao ano e previsão de alta para 15%, é relativamente fácil (e seguro) gerar uma renda mensal líquida acima de R$ 10 mil com esse mesmo R$ 1 milhão. Mas aí veio a resposta que me derrubou:
— Ah, mas no mercado financeiro eu não sei se consigo pegar meu dinheiro de volta. Meus apartamentos ninguém me tira. O governo já pegou dinheiro dos bancos antes, e não duvido que esse governo atual faça de novo.
Nesse momento, tive aquele piripaque clássico do Chaves — curvado pra frente, braços levantados, congelado de susto. (Se não lembrou, digita “piripaque do Chaves” no Google e agradeça depois).
Tentei explicar: governos ainda pegam nosso dinheiro, sim — só que hoje fazem isso via impostos, inflação, ou outras formas mais “modernas”. Em 1990, o dinheiro não foi exatamente “confiscado”, mas bloqueado por um ano. Foi uma medida extrema, em um país com inflação mensal acima de 80%. Depois o valor foi liberado com correção. Não há, hoje, cenário político, fiscal ou legal que sequer flerte com algo semelhante. Mas quando alguém entra em modo “fim do mundo”, não tem racionalidade que resolva. Como diria Housel: é tudo reflexo das experiências passadas.
Respeito quem prefere investir do seu jeito — e acho mesmo que cada um tem que buscar aquilo que lhe traz paz e felicidade. Mas vale lembrar: o medo protege, sim, mas também paralisa. E quando paralisa, ele custa. Custa oportunidades, renda, liberdade. Custa viver o que o dinheiro deveria proporcionar.
Porque no fim das contas, medo pode até proteger, mas definitivamente rende menos que o CDI.