Depois de praticamente um mês com chuvas e uma enchente histórica, o estado do Rio Grande do Sul parece que vai poder recomeçar. Recomeços partem de um caminho que foi interrompido. O que aconteceu aqui no sul foi mais que uma interrupção. Foi uma destruição. Não se recomeça de algo que foi arrasado. Ali se faz necessário se reinventar.
Perdemos vidas, estradas, casas. Perdemos a rotina, os trabalhos. Perdemos fotos, lembranças. Muitos perderam a fé e a crença em um amanhã um pouco melhor. Outros duvidam que o amanhã possa existir. É como se estivéssemos num eterno dia cinza, com chuva, desde o início de maio. Nossos livros foram afogados. Nossa comida ficou encharcada. Nossos animais se perderam ou foram perdidos. Nossos sonhos estão anestesiados.
Como recomeçar em uma casa que foi tomada pela lama? Como recomeçar em uma moradia que desmoronou com a encosta? O que se diz para quem viveu a tragédia na pele? Não se pode dizer nada. Estamos mudos diante de tanta destruição. Agradece quem não entrou na estatística de refugiado climático. Ajuda quem tem empatia circulado no sangue e no espírito. Nos unimos porque nos percebemos uma comunidade gigante, que precisa ser levantada. E quem levanta se reinventa.
Reinvenção é o termo mais adequado, porque não é fazer o mesmo do mesmo, mais uma vez. De agora em diante será preciso fazer diferente, com um olhar de coletivo responsável. Será necessário ouvir os rios e plantar árvores. Será preciso planejar moradias em ambientes responsáveis. Será indispensável alimentar quem precisa ser alimentado, seja gente ou bicho, porque toda esta calamidade nos mostrou que nossos corações ainda batem com sentimentos de humanidade. Será urgente ouvir mais os cientistas e especialistas do clima. Será rotineiro cobrar políticas públicas de prevenção. Mas sobretudo será essencial não darmos poder para políticos que não entendem de nada vezes nada. Em poucos meses teremos os nomes dos candidatos para as eleições municipais e não podemos mais dar palanque para pessoas irresponsáveis.
Vamos nos reinventar sim. Ainda temos casas a limpar, empresas para reestruturar. Ainda precisamos abraçar amigos que estão assustados e acolher animais que foram abandonados no meio da tragédia. Somos gente de verdade. Somos feitos de sangue e coragem. E a vida se reinventa para quem te gana de viver.