Quando estou em casa, quase sempre acordo antes do sol e, com o chimarrão já cevado, observo pela janela do escritório o clarão anunciando o dia. É uma hora única, silenciosa e inebriante remetendo a uma mudança radical: sai o breu, chega a luz. É agradável presenciar este momento raro, por efêmero e carregado de silenciosas cores mutantes, descortinando-se e estando, a maioria das pessoas, ainda mergulhadas no sono.

Também gosto de vivenciar o momento da despedida da noite em outros locais, quando possível. Recentemente estive com um grupo em São José dos Ausentes, quando tivemos a oportunidade de apreciar o fenômeno no sopé do Monte Negro, o Topo do Rio Grande. Sair da cama quente das suítes da Estância Tio Tonho e seguir ao ponto de observação, ainda sem a luz dourada, leva cerca de 10 minutos. Mesmo sem o sol, a luz baça do início da hora permite ver as coisas, ainda sem suas cores originais. Tudo sob uma penumbra agradável, semelhante à hora da abertura das cortinas de um palco. Pela trilha, no meio da mata do sopé do lado norte do Monte Negro, ouvimos os tico-ticos já despertos aquecendo suas siringes. Atravessamos pequenas nascentes vindas do morro, criando locais com lodo onde vejo impressos cascos e patas dos visitantes da noite. O caminho é o mesmo, mas o objetivo é diferente: uns buscam a sobrevivência atrás de capim ou de carne, outros buscam o encantamento das cores do novo período.

Já no campo, o orvalho intenso da madrugada, agarrado às hastes das plantas, encharca os calçados e as calças, refrescando e deixando pesados os pés. Chegando à beira do cânion, o espetáculo já está garantido. Abaixo, nuvens cobrem todo o litoral de Santa Catarina, na altura de Morro dos Conventos, facilitando um voo sobre o vazio do grande vale. Os flocos gigantescos de nuvens avançam, lentos, prenunciando cerração fechada. Mas o visual ainda está garantido por estarmos acima delas.

No horizonte leste, onde se alonga o imponente Oceano Atlântico, agora invisível, uma barra colorida com matizes de cor laranja prenuncia o início tão aguardado. Alguns minutos mais e vemos aquela esfera dourada surgindo por entre a densa neblina, jogando sua luz sobre a paisagem, fazendo as cores das coisas lentamente retornarem, alegrando e encantando a todos. Minutos de pura magia compensam qualquer esforço para estar ali, naquele silêncio absurdo, sem vento, temperatura agradável, saboreando a volta da luz e das cores. Uma experiência única, com momentos de uma emoção que jamais será esquecida.
Voltamos à Estância, quase calados, deixando a experiência vivida falar ao íntimo de cada um, contando como é um nascer do dia no local mais alto do nosso querido Rio Grande do Sul.