Seguir com o modelo que dá certo
Eu tinha um pouco mais de 5 anos de idade quando caiu o meu primeiro dente de leite. Naquela época, as crianças ansiosas (eu era uma delas) amarravam um fio-dental no dente que estava prestes a cair e prendiam a outra extremidade na maçaneta de uma porta. E apenas com um empurrão, voilá, o dente em questão era arrancado com sucesso. Não me entendam mal: a minha ansiedade não era a de ficar banguela e sofrer com o bullying clássico dos meus colegas da escola (que aliás era uma prática “saudável” naquela época). Eu queria mesmo era ganhar uns trocados da Fada do Dente.
Lembro como se fosse ontem da frustração que tive ao acordar da minha primeira noite de sono banguela e ver aquela cédula recém-emitida de 5 Reais embaixo do meu travesseiro. Corri em direção ao quarto dos meus pais relatando, chateadíssima, que a Fada havia oferecido mais dinheiro pelo dente da minha prima do que pelo meu. Eis que tive então a minha primeira desilusão com o papel moeda: meu pai tentou me explicar, sem êxito, que a minha cédula de R$ 5 valia mais do que as três cédulas de R$ 1 da minha prima. “- Como 1 dinheiro poderia valer mais do que 3 dinheiros? Quem define isso? ’’– Pensei. E foi talvez naquele momento que a sementinha da curiosidade sobre o Sistema Monetário foi plantada dentro de mim.
Mas aquele ano não foi marcante somente pelo meu primeiro dente perdido. O ano de 1994 foi especialmente marcante pois coincidiu com a implementação do Plano Real, o plano econômico que trouxe uma estratégia inovadora que finalmente conseguiu estabilizar uma economia devastada pela hiperinflação. E quando eu falo em hiperinflação, estou falando de uma taxa que beirou os 3.000% ao ano em 1990 – hoje, para se ter uma ideia, a inflação anualizada na Argentina, uma das maiores do mundo na atualidade, está em 276%.
De 1980 a 1990, período que denominamos de “década perdida”, o Brasil passou por sucessivos planos econômicos e tentativas frustradas de estabilização monetária. Tivemos quatro moedas e seis planos econômicos fracassados até chegarmos ao Plano Real, o qual finalmente conseguiu reduzir a taxa de inflação de forma sustentável. O que me surpreende é que 30 anos após a sua implementação, alguns políticos ainda criticam e buscam minar este modelo vencedor que já se tornou referência não somente no Brasil, mas globalmente.
É verdade que o Plano Real contou com diversos desafios em sua implementação, e que o regime de bandas cambiais foi custoso para o país. Nenhum modelo é perfeito – por isso inclusive que chamamos de modelo. Mas graças à sua evolução chegamos ao que atualmente denominamos de Tripé Macroeconômico, um conjunto de três pilares que sustentam a condução da nossa política econômica. A partir das metas de inflação (i) são estabelecidas metas claras, trazendo transparência à nossa política monetária. Já o regime de câmbio flutuante (ii) permite que o valor do Real seja determinado pelo mercado, com intervenções mínimas do governo. Por fim, mas não menos importante, temos o pilar da responsabilidade fiscal (iii): o pilar fundamental que busca garantir disciplina nas contas públicas através de políticas fiscais responsáveis.
É uma pena que recentemente os três pilares do tripé vencedor vêm sendo criticados e ameaçados. Neste último mês em especial, declarações infelizes a respeito dos gastos públicos, novos ataques ao nosso Banco Central e comentários recorrentes de que “é preciso fazer alguma coisa” em relação à desvalorização do Real vêm sendo proferidos. Com isso, os prêmios de risco dos ativos brasileiros continuam aumentando, e já se aproximam das máximas vistas durante as crises de 2008 e 2015. Enquanto os mercados globais tiveram ganhos razoáveis neste primeiro semestre de 2024, a exemplo do S&P 500 (+15%), do Stoxx Europe (+ 6%), do MSCI de Mercados Emergentes (7,5%) e do MSCI da Ásia (+11%), o nosso Ibovespa caiu 19,5% em Dólares neste mesmo período.
Infelizmente, não há Fada ou mágica que possa nos tirar desta crise de credibilidade. É preciso pragmatismo dos nossos governantes e uma retomada dos pilares exitosos que o Plano Real nos trouxe. Caso isso não aconteça, continuaremos descolando dos demais mercados globais neste segundo semestre, ou até o término do atual mandato.