Há discursos históricos que merecem ser revisitados, como o de Charlie Munger, proferido em Harvard em 1995, no qual ele explora a psicologia dos erros de julgamento humano. Uma de suas frases mais marcantes é: “Me mostre os incentivos, que eu te mostro o resultado” (“Show me the incentives, and I’ll show you the outcome”). Essa ideia tornou-se um mantra para mim desde o meu início no mercado financeiro. Contudo, estruturar incentivos que promovam comportamentos desejáveis é muito mais complexo do que parece, e incentivos mal direcionados frequentemente geram consequências indesejadas, muitas vezes levando a conflitos de interesse que, de forma sutil, afetam a relação entre profissionais e investidores.
Por muitos anos, os grandes bancos dominaram o mercado de investimentos, oferecendo produtos próprios com altas taxas e pouca transparência. A chegada das corretoras independentes mudou drasticamente esse cenário, ampliando o acesso dos investidores a uma maior variedade de produtos, com custos reduzidos e maior transparência. Além de democratizarem o acesso a investimentos mais sofisticados, essas corretoras introduziram a figura do assessor de investimentos, que desempenha um papel crucial tanto na distribuição de produtos quanto na educação financeira dos clientes. Esse movimento forçou os bancos a se tornarem mais competitivos. No entanto, apesar dessa evolução significativa, o modelo de remuneração comissionada que ainda predomina em 95% do mercado brasileiro muitas vezes gera incentivos desalinhados, levando alguns profissionais a priorizarem seus próprios interesses em detrimento das reais necessidades dos clientes.
Nesse modelo predominante de assessoria, o cliente raramente sabe o custo real do serviço, já que corretoras e assessores são remunerados por rebates embutidos nas taxas dos produtos financeiros. Quanto mais complexo e arriscado for o produto, maior será a comissão paga ao assessor, o que pode incentivá-lo a oferecer produtos inadequados para perfis mais conservadores. Embora muitos profissionais competentes priorizem o relacionamento de longo prazo com seus clientes, a existência de um modelo alternativo mais transparente, que evita esses potenciais conflitos de interesse, levanta a questão: por que a indústria brasileira resiste em adotá-lo? Felizmente, o setor está prestes a passar por uma transformação importante. A Resolução CVM 179, que entrará em vigor em novembro deste ano, trará maior transparência ao modelo de remuneração dos assessores de investimentos, representando um passo crucial para proteger os interesses dos investidores, reduzir os conflitos de interesse e alinhar melhor os profissionais às necessidades dos clientes.
O modelo alternativo fee-based, ou “taxa fixa”, ainda pouco difundido no Brasil, oferece uma solução mais transparente e alinhada aos interesses do cliente. Nesse formato, a assessoria cobra uma taxa anual fixa, geralmente entre 0,5% e 2% do patrimônio do cliente, paga mensalmente. Por exemplo, um investidor com R$ 1 milhão de patrimônio e uma taxa de 1% pagaria R$ 10 mil ao ano, ou R$ 833 por mês. Pode parecer muito para quem não tem noção do quanto paga no modelo comissionado, mas um estudo da Vanguard aplicado ao mercado europeu revela que o modelo fee-based não apenas alinha melhor os interesses entre assessor e cliente, como também gera economias de custo para os investidores. Enquanto uma carteira no modelo comissionado custa, em média, 2,25% ao ano para o cliente, no modelo fee-based esse custo cai para 1,5%.
O debate sobre o modelo de remuneração mais adequado para a assessoria de investimentos não é apenas técnico, mas também ético. Em um mercado onde a confiança é o ativo mais valioso, transparência e alinhamento de interesses devem ser prioridades. A Resolução CVM 179, junto com a adoção crescente do modelo fee-based, pode transformar o setor, promovendo maior proteção e alinhamento com os investidores. À medida que a indústria continua evoluindo, é essencial que tanto investidores quanto profissionais abracem essas mudanças, reconhecendo que o verdadeiro sucesso no mercado financeiro depende de incentivos claros e éticos. Como Munger nos ensinou, os incentivos moldam os resultados, e cabe a nós garantir que esses resultados sejam sempre os melhores para os clientes.