Como de hábito, levantei cedo e preparei o mate. Só que, dessa vez, estava em um hotel em Pelotas e resolvi fazer o que sempre faço em Canela: caminhar enquanto o sol não afugenta com seu calor e luz forte. Estava no centro da cidade e caminhei pelo calçadão que ali havia e fiquei me deliciando com o que via, por diferente e por inusitado. Um frondoso jacarandá teve que ser aleijado com uma poda radical para permitir a passagem dos fios de energia, parecendo aquelas árvores de montanhas em que os ventos predominantes determinam sua forma atípica, demostrando quem faz o desenho.
Alguns bancos, no entorno de outras, mostram o dormitório das aves urbanas nos galhos logo acima, local que permite um sono tranquilo, longe dos predadores de solo. Excrementos de vários tipos e formas mostram a importâncias daqueles poleiros para pardais, pombas-de-bando, tico-ticos e rolinhas. O aviso é claro: melhor evitar de passar ou sentar ali à noite. Vejo muitas bromélias agarradas aos troncos e galhos destes velhos e imponentes exemplares. Para provar que não são parasitas, outras se desenvolvem em fios de energia, mostrando que, para elas, basta um local de apoio.
Ainda é cedo, o comércio está fechado, mas já vejo algumas filas em frente às lotéricas e penso que aquelas pessoas ali estão aguardando a hora de pagar os malditos boletos que insistem em aparecer, na caixa do correio, todos os meses. Maçarocas de dezenas de fios negros se entrelaçam nos postes e se dirigem, cada um, a um endereço, enfiando-se em buracos nas velhas fachadas dos prédios antigos desta parte da cidade. São eles que conectam as pessoas ao mundo, através da moderna tecnologia das redes sociais permitida/facilitada pelo sinal de wi-fi. O moderno e o antigo, vivendo assim sem um perguntar nada ao outro e cada qual realizando, em silêncio, a sua tarefa: um, a de contar a história através da arquitetura e das fachadas carcomidas, o outro, de trazer e enviar, ao mundo, informações.
Árvores com marcas profundas nos troncos ou aleijadas pela necessidade de cederem espaços aos fios, todas velhas, devem sentir a falta de jovens exemplares que teriam em um bosque. Não entendem que ali, onde foram plantadas, não é uma floresta. Foram colocadas para sombrear e embelezar a dureza das fachadas também aleijadas pelas placas de publicidade, fiação e má conservação. Parece que umas consolam as outras, e a vida segue ali no seu ritmo. Para alegrar mais ainda a caminhada, chego ao ponto de máxima doçura: as lojas dos famosos Doces de Pelotas. Difícil descrever estas delícias, impossível mesmo. Então comprei alguns e trouxe como efêmeras lembranças porque duraram poucas horas, mas seu sabor se esconde em alguma dobra do meu cérebro e diz: “volte e compre mais”. Salve Pelotas, suas ruas e histórias e um saludo especial às suas doceiras e seus doces encantadores.