Mesmo um cego consegue sentir a chegada da primavera, seja através dos aromas emitidos pelos nectários das inúmeras espécies de flores, pela cantoria dos pássaros ou na percepção da gradativa elevação de temperatura. Fazer uma caminhada pelas bordas dos cânions de São José dos Ausentes permite ter uma noção precisa do início desta preciosa e colorida estação. O primeiro registro é o verde intenso dos campos, substituindo o marrom e o negro de poucas semanas atrás, pintado pelo fim do ciclo anual das gramíneas e acelerado pelas queimadas de agosto.
O verde anima e encanta, faz o coração acelerar ao perceber uma nova perspectiva, mesmo sendo metafórica. O gado se refestela na grama nova, tenra, abundante e saborosa passando muitas horas de boca para baixo, arrancando os talos molhados de orvalho. Pela borda dos matos baixos, típicos deste lugar alto, centenas de pequenas orquídeas vermelhas adornam os troncos das araucárias, parecendo luzes enfeitando o local e dizendo a todos: a estação das flores e odores, chegou! Estas orquídeas só existem nestes lugares altos e frios, típicos de borda de cânions com mais de mil metros de altitude sendo, assim, endêmicas.
Mais adiante, as bracatingas mostram, a seu modo, o novo tempo. Suas flores, em forma de pequenos buquês, logo chamam as abelhas para o banquete, despertando as colmeias paralisadas pelo longo inverno de frio, carência de alimento e dias curtos. Compondo belos quadros, o amarelo das pétalas faz um contraponto ao vermelho das orquídeas, cada uma na sua especialidade e servindo a insetos diferentes.
No chão da trilha, onde a lama se impõe ao gramado, aparecem impressos os cascos de veados, cavalos e bois, almofadas dos dedos de graxaim e mão-pelada que vasculham os campos nas madrugadas. Banhados revirados denunciam os javalis e sua fome por raízes, larvas ou qualquer organismo, moradores dos fofos revestimentos dos musgos das turfeiras.
As águas frias e limpas de um pequeno arroio brotando das entranhas no lado sul do Monte Negro, correm ruidosas para se encontrar com o incipiente rio do Marco, pouco mais abaixo. Líquido vital de beber sem medo, de apreciar por raro, cristalino e pertencer ao Topo do Rio Grande.
Sentado de lado para o majestoso cânion da Coxilha, é possível apreciar um quadro natural só existente em lugares especiais. Descansando as costas numa das centenas de pedras emergidas do solo, e parecendo também elas gostarem de apreciar a paisagem, o olhar se estende para o sul e absorve a geografia única. Rebanhos de gado pastando tranquilos, o vale se abrindo para o leste como uma mão gigante em concha direcionada para os ventos frios e úmidos vindos do oceano, o silêncio do momento e o macio aconchego da grama, convidam a ali permanecer, se possível, por um tempo incontável, apenas absorvendo os sinais da primavera.