Estou bem no centro da cidade de Canela, local privilegiado e de onde observo quase tudo. Meus milhares de tijolos foram caprichosamente empilhados e colados com bom cimento motivo, pelo qual, os ventos e as chuvas não me afetam. Atingi meu tamanho lá pelos anos 1950, nem lembro mais, para queimar a serragem produzida pela Madeireira Agrícola, que havia aqui bem perto. Eu fazia o serviço sujo de jogar, para o alto, a fumaça da queimada deste abundante resíduo, esperando que os ventos a levassem para longe das narinas dos canelenses da época. Por décadas, eu fui este conduto quente e tóxico que expelia a fuligem negra da era dourada da araucária.
Com o tempo, fui vendo que outras estruturas, altas como eu, foram surgindo pela cidade, algumas perto de mim. A torre da igreja foi uma delas e, mais tarde, a da telefonia. Hoje, somos três inertes e frias estruturas urbanas que contam histórias da cidade, mas me orgulho de ser a mais velha, aquela que sabe de tudo, que viu a cidade surgir.
Os grandes pinheiros e outras árvores, que por aqui havia, estranhavam a minha presença, e diziam: “Ela não cresce mais, não tem galhos, folhas, frutos. É diferente de nós. E o mais incrível é que ninguém a corta, como o fazem com os nossos.” Vi coisas que já não vejo, como uma chaminé menor que deslizava fumegando sobre trilhos. Vinha em um dia, puxando longa fila de vagões, logo descarregados. Em seguida, recebiam novas cargas, quase sempre de madeira serrada, voltando no outro dia. Que inveja que eu tinha daquele trem com sua chaminé volante. E eu aqui, até hoje, presa a um alicerce firme que não me permite nem cair, muito menos andar. Para onde foi aquela pequena chaminé que andava?
Hoje não sirvo mais para aquilo que fui projetada. As serrarias se modernizaram, a serragem agora é aproveitada e fiquei aqui esquecida, sendo lentamente corroída pelo tempo. Buracos já aparecem no meu corpo e algumas bromélias se dependuram nos vãos dos tijolos, aproveitando o sol e o vento. Morcegos me adotaram como casa e, nas primaveras, algumas andorinhas fazem seus ninhos no meu interior. Virei isso, agora. Casa de morcegos e pássaros. Um fim melancólico para quem já foi a rainha da área. Agora me sinto com um ex-fumante e, de tanta fumaça tóxica, que eliminei para o ar, agora procuro compensar o impacto abrigando nas paredes externas líquens, musgos e bromélias que nada sabem do meu passado.
Isolada e triste, assisto a cidade de cima, mas a cada dia surgem prédios mais altos e que vão me cortando a visão e sei que, num futuro não tão distante, serei desmanchada para dar lugar a algum novo empreendimento, já que estou em um local nobre, no centro da cidade, como falei. É a sina de quem envelhece e perde a função. Descobri, agora, que nada é permanente, nem a função de ser fundamental numa época. Fica a história.