Começa o frio do inverno e muitos hábitos, sabores e perfumes são emblemáticos e marcam profundamente esta estação. Um destes ícones é o ato de comer uma boa bergamota, seja comprada no mercado ou colhida diretamente do pé. Em um dia frio, com o sol aquecendo a alma, poucas coisas são tão prazerosas como a de se dirigir a um pé carregado, andar em volta à procura de boas frutas, estender a mão, desviar dos espinhos, cuidar se não tem marimbondo e colher uma, duas ou quantas mais couberem nas mãos ou na cesta. Em seguida procurar algum lugar confortável ao sol onde tenha alguma pedra, raiz ou tronco para sentar e começar o denunciante e indiscreto ato de descascar a fruta. Impossível comer uma de forma anônima. No campo, isso não tem o menor problema porque o aroma dos óleos, que exalam, é parte do ambiente e acaba embalando a comilança, sem constrangimentos. Na cidade, cria-se alguma reserva a este ritual, não pelo sabor, mas pelo odor.
Conheço alguns apreciadores desta fruta que não as descascam devido ao cheiro deixado nas mãos e roupas. Na casca desta fruta tem uma série de glândulas contendo fortes óleos essenciais liberados quando a casca é rompida e comprimida, espalhando-se no ar, aderindo à pele, roupa e tudo o mais em volta. Devido as suas características, são utilizados em perfumes, águas de colônia, como inseticida e até mesmo na terapia contra a depressão e ansiedade.
A bergamota é uma planta originária da China e foi muito cultivada pelos Turcos no Mediterrâneo. Na Itália e Espanha, cultivava-se a espécie já no século XV e seu nome provém do idioma turco beg armudi, ou a Pera do Príncipe. Por algum motivo, os Italianos acabaram batizando esta planta de bergamotta e assim foi popularizada. No Brasil, difundiu-se rapidamente após sua chegada, por volta de 1890, recebendo nomes como, bergamota, tangerina, mexerica e mimosa, dependendo da região e da variedade.
Sua popularidade deve-se a vários fatores, sendo os mais importantes, para mim, os seguintes: sua casca se solta com facilidade, não necessitando de faca para retirá-la, bastando apertar o dedo no lado oposto ao do cabinho para a casca se romper e abrir o caminho pra o prazer. Em volta dos gomos há fibras brancas parecendo algodão doce, e o ritual exige consumir algumas primeiro, como uma entrada de um banquete. É uma fruta doce e agradável, com uma leve acidez, e os gomos se oferecem para serem separados e consumidos com muita facilidade, bastando retirar um a um, num ritual cadenciado e de grande prazer. Na boca, cada porção é acomodada entre os dentes e pressionada suavemente, provocando uma explosão controlada liberando, das vesículas, o precioso líquido adocicado que instiga e estimula as papilas gustativas da língua. Os dentes fazem a moagem das fibras e a língua vai separando as sementes para dar início ao ritual do arremesso das mesmas, lançadas uma a uma como balas. Através das narinas entra o odor dos óleos da casca criando um equilíbrio perfeito. É a cerimônia do consumo da fruta. Uma, duas, três, cinco ou mais até o matambre da barriga esticar como um couro de tambor. Hora de parar. Bergamota é sinônimo de sabores e odores. Lamento aqueles que se privam dos primeiros em função dos últimos. Vai uma berga aí?